quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Portugal



Ana:

Eu morria de saudades de um gaúcho por quem me apaixonei loucamente dois anos antes. Então, decidi aprender português para, de alguma forma, me sentir mais próxima dele. Esse, o gaúcho, era jogador de futebol quando namorou comigo. Anos depois, eu o reencontrei e descobri que, finda a carreira, tinha virado vendedor de enciclopédias. Antes que alguém me pergunte, já digo. Vendedor de Enciclopédia em pleno século XXI. Não é bizarro? Em plena era Wikipedia, acho que fiquei feliz que a história com esse gaúcho teve um ponto final. Repetindo o nome do blog, ponto final não é privilégio de histórias tristes.

Assim, naquele momento anterior às enciclopédias, quanto mais eu estudava português, mais minha paixão pelo gigante da América Latina crescia. Eu estava no nível 4 já quando o meu professor sugeriu que a gente tentasse, via internet, praticar o idioma com falantes naturais da língua. Não havia Facebook, mas a gente usava uma coisa muito estranha chamada Hi5. Um dia, achei um menino lindo. Lindo demais! Como o Orkut para alguns, o Hi5 denunciava quem olhava o seu perfil. Eu olhava o dele, ele olhava o meu, eu olhava o dele, ele me adicionou. Mensagens aqui e acolá, ele me deu o MSN e nós conversamos a conversar. Isto é, eu comecei a cumprir minhas tarefas escolares: praticar a língua com um falante natural de português.

Tudo começou assim. Ele era um português com olhos pretos, cabelos negros e que fumava demais como todo português que se preze. No primeiro dia, sem exageros, a gente conversou durante oito horas. No segundo dia, também. No primeiro final de semana, minha timidez não me impediu de ligar pra ele. O romance já tinha começado. Por três meses, nós nunca desligávamos o computador. Eu dormia olhando a tela do MSN, ele ficava acordado até às 3 horas da manhã para me ver. Tudo online: ele morando em Portugal e eu em Buenos Aires.

Meu aniversário é no dia 15 de janeiro. Ele quis porque quis passar comigo e, então, pagou uma passagem para que eu pudesse ir pra lá. Tirei passaporte, comprei malas novas, roupas novas, sapatos novos e fui. Atravessei o oceano.

Ao chegar, experiência complicada. Sentei com minhas malas num banco coletivo para localizar o endereço dele, guardar a passagem e me ver no espelho. Não era minha intenção parecer uma mulambenta. Ao meu lado, fazendo algo parecido, uma mulher, loira de meia idade, também se organizava. De repente, a mulher saiu e eu não vi para onde ela foi, mas vi que suas malas ficaram. No mesmo lugar, sentou um rapaz e, ao se levantar, levou consigo as malas dela. Naquele momento, eu, envolvida com meus próprios pensamentos, pensei que eram malas deles, do casal. Me enganei. Eis que surge a mulher, chorando, gritando em francês. Atrás dela, vários policiais. Todos falando em português de Portugal. Senti que três anos de curso de português tinham ido embora. Eu não entendia uma só palavra do que eles disseram e eles pareciam não me entender também. Minha chegada não foi nada fácil.

Ele se chamava João Jorge, mas não foi ele quem foi me buscar no aeroporto. Lá estava Carlos, cujo português me era completamente estranho também. Eu só fui reconhecer os sons, as palavras, os sentidos na boca do João Jorge, horas mais tarde, quando ele chegou em casa do trabalho. O primeiro beijo foi estranho. Ele me abraçou, me mostrou a casa e, quando chegamos no quarto, em frente à janela, olhou pra mim e me beijou com força. Minhas pernas tremiam de medo, estava aflita. Queria beijar ele, mas não sabia se ele também queria. Por que capricornianas sempre ficam com dois pés atrás?

A ideia era eu ficar em Portugal durante duas semanas, o que frustrou, ou pareceu frustrar o João Jorge. Ele queria que eu ficasse pra sempre, abandonando família e trabalho na Argentina. Foram duas semanas intensas, cheias de viagens, passeios ao sol fraco do inverno europeu, vinhos brancos e frutos do mar. Durante o dia, como ele trabalhava, eu ia ao cinema, passeava pelas lojas, visitava museus e igrejas, e tirava fotos. Muito atencioso, ele tinha organizado uma escala entre seus amigos. Eu nunca ficava sozinha. Me sentindo segura e, sobretudo, acolhida, aqueles eram dias muito especiais pra mim. Havia sofrido pelo gaúcho, dois anos sozinha e, agora, parecia que finalmente tinha reencontrado o amor.

Meu aniversário de 28 anos aconteceu nas margens do Tejo numa janta especial. Só havia eu e ele, um céu bem estrelado e luzes de velas. Acho que foi o melhor aniversário da minha vida. Depois, ele me levou para dançar salsa numa casa de música latina, a única em Lisboa. Bebemos além da conta e o sexo, naquela noite, foi a cereja do bolo. Eu estava completamente entregue, pura, inteira pra ele.

Aí começaram os problemas. Depois do ápice, parece sempre vir o desenlace. Hoje tenho medo de ápices por causa disso. Ele tinha ciúmes dos amigos dele, dizia que eu os estava “encantando”. A pergunta é: como é que isso podia acontecer se eu mal entendia o que eles falavam? Resposta: não acontecia. Era pura insegurança dele. E só a insegurança leva a gente para tantas decisões precipitadas. Comecei a querer fugir.

A despedida foi fria. Nem eu, nem ele nos queríamos mais um perto do outro. Ele me tratava mal, porque tinha ciúmes. Eu tratava ele sem verdade, porque não confiava nele. Havia civilismo, mas não amor. Éramos adultos, mas não apaixonados. Talvez, ele, sim. Eu, certamente, não.

Um mês depois, fiquei sabendo, ele foi pro Brasil. Eram as férias dele e ele tinha me dito que viria pra Argentina. Felizmente, não foi. Em Salvador, conheceu uma menina com quem se casou e vive até hoje. Três anos depois, eu fui pro Brasil, pro Rio Grande do Sul, e lá revi o meu gaúcho, então um vendedor de enciclopédias. João Jorge e eu, agora no Facebook, nos falamos de vez em quando. Longe de nossas casas, essa é a única semelhança que eu posso ver entre nós.

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