terça-feira, 7 de agosto de 2012

Quando “juntos” não é o mesmo que “eu com ele”



André:

Bom, é isso. Até agora, eu já tive três amores. Tenho ainda. Amor, afinal, não tem botão de desliga. Os três relacionamentos acabaram. Os três amores continuam. Do que terminou há mais tempo é mais fácil lembrar da visão geral e menos de detalhes. Do que terminou há menos tempo, é mais fácil lembrar das coisas pequeninas do dia-a-dia e mais difícil de ter uma visão geral do todo. Do do meio, me fez tão mal que eu prefiro não lembrar nada. Esse que vou contar é o mais antigo e, até agora, o mais duradouro.
Eu conheci o Ivo via internet, num chat de sexo. Marcamos em frente ao Roxy, em Copacabana. Era um dia daqueles com cara de “chove não chove” quando os cariocas parecem não saber o que fazer, pouco acostumados com a chuva. Para mim, que sou paulista, está tudo ótimo. Eu não lembrava, mas ele me contou que marcou o fato de eu ter ido de guarda-chuva, pois “um homem prevenido vale por dois”. (Parênteses: preciso contar que, quando esse dia fez um ano, choveu também e a gente foi pro Roxy com as mesmas roupas e reproduzimos a cena! Inesquecível!) Eu lembro dele, atravessando a rua, pisando em falso e quase torcendo o pé. Eu sorri e a gente, que até então só se conhecia por fotinho fake de msn, se identificou na mesma hora. Conversamos,  nos avaliamos e resolvemos ir lá pra casa. Coisas que acontecem em encontros destinados apenas ao sexo. Na saída, porém, apareceu uma amiga dele e ele me apresentou pra ela com o meu nome falso. Infelizmente, ela não disse o nome verdadeiro dele, e eu só fui ficar sabendo qual era dias depois. No caminho, a gente conversou sobre uns livros que ela, a amiga, estava lendo. Engraçado lembrar disso agora. (Parênteses de novo: O Ivo é até hoje um cara muito fechado, mas, naquele momento, diante da amiga, estava aberto e atencioso em relação a mim, botando a mão no meu braço sempre que chegávamos a uma esquina. Considerando o contexto, foi uma atitude super corajosa a dele.) Lá pelas tantas, nos despedimos da amiga dele finalmente e fomos lá para casa no carro dele que ainda cheirava a novo. A transa foi excelente e teve repetição. Continuamos nos vendo. Ele estava passando por uma fase bem difícil, terminando o mestrado, com crises de ansiedade que todo mundo tem quando está nesse processo. Eu, ainda distante da minha monografia de conclusão da faculdade, tentava ajuda-lo e acho que conseguia.
Acho que já fazia uns dois meses de encontros regulares na minha casa, sempre na minha casa!, quando, depois de uma ótima transa, eu perguntei se éramos namorados. Me senti livre para isso porque a gente jantava juntos aos finais de semana, íamos a exposições e a peças de teatro, estávamos de alguma forma juntos. Diante da pergunta, ele ficou bem desconcertado. Acho que nunca tinha passado pela cabeça dele estar namorando com um homem. Mesmo assim, respondeu um “Acho que sim”. E me avisou: “Mas eu não sou desses namorados que ficam dando presentinhos toda hora, heim?” Uma frase estranha pro meu coraçãozinho sensível, talvez uma maneira dele mostrar o quão difícil pra ele seria ter um namoro tradicional com um alguém do mesmo sexo. Um desafio que, era essa a mensagem, ele estava aceitando a enfrentar.
Ficamos juntos quatro anos e oito meses. Eu terminei a minha faculdade e fiz uma especialização. Ele entrou no doutorado e, quando saiu, já não estávamos mais juntos. Foi um período de convivência, de amizade, de carinho. Lindas fotos, ótimos passeios, muito afeto apesar de tudo.
Informações íntimas, necessárias pra contar o fim dessa história. Entre os homens gays, há gente só ativo, gente só passivo e gente versátil. O Ivo era só ativo e eu só passivo e, por isso, nos dávamos bem naquele início. Mas, com ele, eu aprendi a ser ativo e, durante o relacionamento, tomei gosto pela “coisa”. Estabelecemos, então, para evitar conflitos, um rodízio, que era a forma que encontramos de fluir com isso. (Depois que terminamos nunca mais fui passivo.) A alternativa, porém, pouco a pouco, começou a não satisfazer plenamente nem um, nem outro. O sexo deixou de ser um grande momento para nós, mas isso de todo não foi o pior.
Esse meu primeiro relacionamento terminou por uma necessidade de seguir caminhos diferentes já que não conseguíamos mais caminhar juntos. Eu estava pronto pra sair do armário definitivamente e ele, o Ivo, mal conseguia colocar “um braço pra fora”. Eu já tinha apresentado ele como meu namorado para a minha família, meus colegas de trabalho, para meus amigos. Mas, para os amigos dele, mesmo aqueles com quem eu convivia muito, eu seguia sendo oficialmente apenas o “amigo do Ivo”. (Parêntese/Armário: só “oficialmente”, porque ninguém é bobo, né?). A única pessoa que realmente sabia era a irmã dele. E isso, essa incapacidade dele de, após tanto tempo juntos, não me ver com ele foi me cansando.
A gota d’água, nem sempre necessária para um fim, mas aqui foi o caso, aconteceu quando o Ivo ganhou uma ação na justiça e comprou um apartamento grande. Na empolgação dele, que eu acompanhei de perto, notei que nunca tinha passado pela sua cabeça que nós pudéssemos morar juntos naquele lugar que agora estava sendo decorado, alugando a minha casa, unindo enfim os nossos bens. A mim vieram crises de ansiedade enormes que, no começo, eu não sabia de onde elas vinham, mas, depois de um tanto de terapia, eu consegui compreender o que hoje é está claro pra mim e conto agora aqui nesse encontro. O Ivo, o meu “bicholino” como nós nos chamávamos, via ele próprio e me via, mas não via nós dois.
Separado dele, consegui ser quem eu queria ser ou quem eu já era no fundo há muito tempo. Sair do armário, me libertar finalmente foi planejado por mim com muito carinho e, quando eu alcancei essa realidade, foi bastante especial. É muito bom viver numa época como essa nossa e eu aproveito como posso! Terminar com ele, um dia, num café da Praça General Osório, foi apenas uma conversa para mim. A história, dentro do meu coração, já tinha acabado. Para ele, me parecia, nunca de fato tinha existido.

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